Não, não é cansaço…

Não, não é cansaço… 
É uma quantidade de desilusão 
Que se me entranha na espécie de pensar, 
E um domingo às avessas 
Do sentimento, 
Um feriado passado no abismo… 

Não, cansaço não é… 
É eu estar existindo 
E também o mundo, 
Com tudo aquilo que contém, 
Como tudo aquilo que nele se desdobra 
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais. 

Não. Cansaço por quê? 
É uma sensação abstrata 
Da vida concreta — 
Qualquer coisa como um grito 
Por dar, 
Qualquer coisa como uma angústia 
Por sofrer, 
Ou por sofrer completamente, 
Ou por sofrer como… 
Sim, ou por sofrer como… 
Isso mesmo, como… 

Como quê?… 
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço. 

(Ai, cegos que cantam na rua, 
Que formidável realejo 
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!) 

Porque oiço, vejo. 
Confesso: é cansaço!… 

(Fernando Pessoa em Álvaro de Campos)

Cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço — 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 

A subtileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas — 
Essas e o que falta nelas eternamente —; 
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, 
Cansaço. 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada — 
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 
Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser… 

E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto… 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
Um supremíssimo cansaço, 
Íssimno, íssimo, íssimo, 
Cansaço… 

(Fernando Pessoa em Álvaro de Campos)