A exposição é perene
à patogênese da vida.
Há incubação sintomática
(do olho escondida).
Silêncio febril,
dor sem saída.
Por que a pele não expele,
não escreve a ferida?
Se a poesia não sai,
nada cicatriza.

A exposição é perene
à patogênese da vida.
Há incubação sintomática
(do olho escondida).
Silêncio febril,
dor sem saída.
Por que a pele não expele,
não escreve a ferida?
Se a poesia não sai,
nada cicatriza.
não estou no mundo
há em mim ausência
de tudo
que o olho vê
estou lá fora
suspensa pelo astro mais alto
sob o salto
sobre o sol
sob a sola
e me assola a razão
que alisa
distende, estica
menina, elástica
mulher, puída
perdi meus relevos, a textura
o texto
puro erro
Onde está a realidade?
Não, ela não está aqui
lacrada nesta caixa.
Sou o tal gato vivo-morto,
superposição quântica.
Velada,
indefinida,
estou morta
e estou viva.
Ao observador sou tudo
e nada.
Não abra a caixa!
O tempo?
Ora, o tempo…
Não o tenho aqui,
agora.
Também não está lá fora.
Não o entendo.
Ele fixa,
mas não é fixo.
Contínuo, é peremptório.
Muda e registra,
Faz muda e mata,
é branco e marca.
Mancha e limpa,
sua marcha é limpa.
Ainda assim, a nódoa fica.
Não, não abra a caixa!
Cicatrizes
invencíveis,
as piores se mostram e revelam
o que só a morte cessa.
Depois dele,
do tempo,
depois de muito dele,
vejo que não é o tempo,
mas os vermes,
que apagam as cicatrizes,
iguarias
que o tempo serve aos vermes.
Elas vivem além de você,
eles não sobrevivem ao tempo.
Sim, os vermes.
O tempo os devora
com seus estigmas corroídos.
Não abra a caixa!
Engane-se
por um tempo.
Não faz mal.
Ao tempo
mal nenhum se faz.
(Sandra Boveto)
o cansaço
tem o aço
que eu não tenho
ora se descarrega sobre mim
com o peso de todos os versos presos
ora é buraco negro
supermassivo
que me suga feito espaguete vivo
entre os lábios do avesso
sobrevivo
além do horizonte de eventos
mas no silêncio
na ausência de toda luz
eu me fragmento
em elementos
da saída de tudo o que se sabe
Esse som me dá sono
sem sonhos.
Silêncio!
Quero acordar.
“Presto atenção no que eles dizem,
mas eles não dizem nada” –
falou o Engenheiro.
Nada dizem ainda,
nem no Hawaii,
nem aqui.
Mens alerta in corpore pateta –
é prisão perpétua.
Mens pateta?
É pena de morte na certa.
Cada um é de si o juiz.
Mão na pena,
decreto a pena
e sou o condenado
às pedras de um regime
fechado.
(Sandra Boveto)
Se sou gulosa,
deveria engolir palavras
– dessas que sobram,
gorduras localizadas.
Assim,
a poesia seria
slim,
e minha gula teria um estético
fim.
(Sandra Boveto)
Sobrevida submersa,
sem resgate, sem futuro.
Falso tempo é o que resta.
Neste mar, sou náufraga
em metáforas sem rumo.
Pensamentos expulso,
escusos.
Sentimentos em conchas resgato.
Do abismo profundo,
obscuro,
emerge nau
de universo impuro.
Sulca o velho mar o corpo,
salgam antigas lágrimas a alma.
Para aquela nau não há porto,
para este espírito não há calma,
senão a do horizonte
morto.
Sinto a seiva do sal que me salva,
sorvo a paz que substitui a vida.
Ao negro abissal desfaço-me,
sou água
em metáforas perdida.
(Sandra Boveto)
tristeza silenciosa
que me chora toda hora
me faz choro contido
lágrima que evapora
espera o cômodo vazio
a gente toda ir embora
me aquece os olhos sem viço
e bota o frio pra fora
A rotina nos costura
pelas ranhuras das horas
e nos arrenda a vida.
Somos linhas quebradiças.
Se o ponto aperta, arrebentamos.
Se afrouxa, nos rendemos
ao fortuito movimento
do tecido.
Frágeis seres cerzidos
soltos no espaço-tempo.
Que as palavras me saibam
e me suguem a morfologia,
que me cuspam fluida,
tornem letras os fluidos,
e sangrem o meu conteúdo.
Que esse vício me quebre
me esfacele inteira
e me reconstrua fractal
ou alfabeto imortal
com dez trilhões de letras
em vez das células mortas
de um futuro decomposto
Que eu seja substantiva
simples, concreta
e viva
nas palavras compostas
abstraídas ou justapostas
a meu gosto