Pode ser que seja um tempo sagrado Agora vem pelo sol a conversão desses abismos. Mas é recomendável remendos emergenciais nas visões esgaçadas da pálpebra de acreditar. Pelo que nos integra na palavra dentro da vida. Estamos aqui. Na tragédia temos remédios imprevisíveis para o medo aberto à inauguração dos astros. Destroncamos monstros no corpo dos horóscopos se eles nos espreitam de fora do destino. Alheios. Joelhos e platina. Tino. Miram-nos de miragens milenares sobre os destroços das flores planetárias a recompor nossos ossos nunca antes recolhidos dos campos de concentrar suores e tremores. Se demoramos de louvores, é porque não sabíamos subverter a íris perfurada na respiração das cores por existir. Pintura aérea. Aura celeste. Arco. Há colares de ar aqui. Eles circulam entre as perguntas afiadas nas gargantas. Quantas paisagens desavisadas deslocam retinas para o linguajar do espanto? Dilatamos as sequelas. Enleamos uma a uma no manto das súplicas. Quanto pranto emprestamos para socorrer a luz. Prevê-la. Preservá-la nos glóbulos, nas fábulas e córneas para a doação. Retiramo-nos de nós mesmos para a constatação do óbvio. Do hábito na contramão da órbita frágil de antes desses vândalos do que devota. Que não nos restem mais gotas de sangue, só o sândalo sobre o pêndulo que nem sempre volta. E o sol a solto. Nos convoca.
Manhã quente de um início de verão redencense. O tempo abafadiço apanha o meu ser em um vagaroso sentir. O vento se desloca dos trópicos e se precipita por sobre Redenção em um se pender quieto.
As ruas vomitam as coisas, os carros e sua gente em um mastigar costumeiro. Em um mastigo acintoso. Como se quisesse dizer do que lhe dói o ser em um desavessar de vida.
As longas avenidas/artérias de Redenção se esvaziam de mim pelo avesso do que em mim se externa e se esvazia em um esvaziar contínuo de ruas e de vida.
E nesse esvaziar de vida alguém me diz que o seu José Tenório se foi. Que o seu coração se esvaziou de vida e se preencheu de existência no não-existir da vida.
Tantas coisas suspensas. Quantos sonhos? Desejos? Quereres? Assim é a vida. O coração bate como quer. E quando quer deixa de bater.
Em alguns, é um bater lançado para fora, irascível, agitado, impetuoso, precipitado, arrebatado, vertiginoso. N’outros é um bater para dentro, tardio, moroso, vagaroso, delongado.
No meu peito o coração tem um bater diferente. Desde minha meninice, vêm como um ruflar de asas em preces de voos aos prenúncios do verão. É mais orgânico. É mais tambor de crioula.
O ritmo é puxado por uma parelha de sentimentos. Marcado em cerimônia de batismo pelo meião/afeto, repicado o compasso do existir pelo crivador/amor e rufado pelo grande tambor/ esperança.
Não sabe ser diferente o meu coração. É um bicho faminto. Remexe o solo do existir com a desenvoltura de um tatu no cerrado. Apresenta-se ao devir com o apetite de um tamanduá por sobre um formigueiro.
A fome de meu peito tem olhos de sequidão. É um espichar a mais. Um tamborilhar de arrancar a alma do corpo. Engole, mastiga e regurgita a vida em um vazio de armário ou em preenchimento de adobes.
Desde molecote fui dado a observar o mundo. A olhar entre as frestas das coisas e dos seres a imensidão do universo.
De tanto espiar o espio dos outros no espio que se espiava dos outros em mim, me fiz gente de olhar atento. De olhos arregalados a tudo o que me chegava às mãos, aos olhos ou à alma. Da escuridão da vida e da escuridade do existir.
E foi dado a estas observâncias de mundo, a este olhar capaz de fazer cócegas na alma, por descobrir coisas muitas vezes ocultas, que, em minhas andanças à casa do seu José Tenório percebi nele sentimentos semelhantes.
Um homem acostumado aos des/tratos da vida. Ao uso artesanal do afeto. Aos manejos da solidão. Mas que trazia no rosto, tal qual candeia sobre o velador, a iluminadura do existir-existindo.
O seu José Tenório tinha a cor do crepúsculo. Ir a casa dele, conversar com ele, seus filhos e dona Constância, quase sempre pelo cair da tarde redencense, era a mim uma sensação prazerosa. Um suspiro com cheiro de alecrim florado ao cair da tarde.
Lembro-me da tonalidade de sua voz. O gesticular de suas mãos. O incidir dos seus olhos no esvoaçar do dia. Homem acostumado à pressa do viver sem desassossegar do existir. Homem simples e afeito à ternura.
Quantas vezes sentei junto ao balcão do Comércio Irmãos Tenório em longas conversas. Por inúmeras vezes vi o seu Tenório perambular da cozinha ao balcão. Coluna levemente inclinada. Mãos cruzadas às costas. Olhar atento e crível a tudo o que acontecia na rua.
A ele, o viver tinha significado e significância. Ainda que fosse a minudências, nos rodapés do existir.
Lembro-me que meu pai tinha sentimentos iguais. Pequeno sitiante, lavrador, vaqueiro, trazendo o mundo sobre seus ombros e capaz de gestos e atitudes que me arrancava suspiros, tamanha ternura e mansidão.
Seu José Tenório tinha esta capacidade. Cavava em meu peito um respeito e admiração sem tamanho. Fazia do existir um exercício aprazível e do silêncio uma lição suportável. Eu arregalava os olhos e ouvidos em sua presença.
Das muitas conversas que ouvi em minhas andanças pela casa do seu José Tenório, muitas ainda trago comigo em meu existir de vida. Umas, são iguais as correntes de águas pretas do velho e belo Rio Una, desaguam em minha alma me fortalecendo o sonhar. Outras, me apanhando desavisado, sopram para dentro de mim um ocre-marrom-avermelhado da mata sul pernambucana, matizando o meu ser esperança.
José Tenório foi um território de descoberta. As tantas conversas em que pude presenciar (informais, soltas, aleatórias) eram carregadas de saudade e confiança. Ele trazia em seu peito o linguajar de sua terra natal sem se esquecer da vivência redencense.
Embora suscetível à erosão, devido os desgastes da vida e as intempéries do existir, trazia em su’alma a desembocadura dos manguezais, os gestos edáficos das restingas e o intenso aluviar amazônico.
Trazia em seu ser-ontológico todos os linguajares. Da lontra, do gato maracajá, do xexéu, da juriti, dos gaviões-de-pescoço-branco, dos bacuraus, dos sabiás, dos jacus, dentre outros. Um linguajar abrangente. Um ser-estar-com-o-outro em silêncio ou vozerio. Puxado de bons exemplos.
Reconheço que não tenho presto para estas coisas, para estes saberes, para tantos aprendizados de vida. Nasci quase temporão.
Fui desde menino um fruto arreigado aos entremeios da inflorescência do existir. Mas aprendi a ser teimoso. A insistir. A mirar os olhos nos que as nuvens dizem. A enxergar o que aparentemente não existe. Ou não se mostra. Ou se desvela-ocultando.
Por isto me aprazerava a alma ir à casa do seu José Tenório e sua esposa Constância.
Sempre gostei do silêncio que vem por dentro de outro silêncio trazendo outros tantos silêncios de vida. Que se instaura em minha cabeça feito rodilha sob pesada cabaça. Silenciando apoio e tangenciando estranhamento à própria postura do corpo.
Mas não era o silêncio que me levava à casa de seu José Tenório. Tampouco o fervilhar do antigo entroncamento em seus tempos áureos de lugar a-feitos aos usos e de/usos do existir. Era a busca por ouvi-lo desembaraçando as suas minudências da vida.
Suas memórias corriam a mim feito ribeiro em rigoroso inverno. Apanhava-las por sobre minhas mãos em um acolhimento de água e flor.
Seu José Tenório foi seiva a vivificar os galhos e folhas de seu grande tronco familiar. O via e imaginava: O que serei quando não mais for o que sou? Serei algum aroma? Uma cor? Uma concretude útil para um depois?
Com estas perguntas presas ao peito cresci. O menino se fez homem. Saí por aí. Com o olhar atento a tudo. Inundando-me de vivências de vida e de existir-existindo. Até que, pelos acúmulos dos dias refiz o caminho de volta à Redenção.
Mal sabia que, poucos dias após minha volta o meu peito se encharcaria de saudade. A vida se fez repleta na vida do seu José Tenório.
Foi triste. Despedida sempre me soa tristeza.
Que a vida me permita guardar em meu peito um antemural de saudade. Permita-me tê-lo sempre em lembrança nos entraves do meu existir.
Seu coração, com mais de cem décadas de uma existência em gestos e palavras se aquietou ao lado de sua amada Constância. Em um acolhimento afetuoso ao solo que lhe compôs homem em torno à sua numerosa família.
Água e flor em uma compostura de existência.
OXORONGA, Alufa-Licuta. Alecrim florado no cair da tarde. Leo&Teo -Sociedade Cultural. Redenção.PA. 2017.
Eu não sou político, sou poeta Portando me bastam os corações É apenas deles que estou falando Nada demais ou de menos. Como poeta eu creio na arma da palavra Não penso que rifles nas mãos do povo sejam um caminho para a paz Mas sempre será para o caos. Como poeta eu creio que as crenças são sagradas E que é meu dever defendê-las como tais Não só as minhas. Mas a de todos os demais Os deuses são iguais Deus algum é moeda de troca ou discurso de palanque Deus algum se impõe sobre outro como única verdade Pois a minha crença se curva a do próximo visto que o próximo é deus.. Como poeta eu prezo pelo amor Não só o meu nem a visão pessoal que eu tenha dele Mas todos as formas de amar São eternas Eu não aceito que um filho morto possa ser melhor do que um filho gay Toda família é sagrada na minha lei. Como poeta eu cultivo o respeito pela terra Pelas mãos morenas das serras Daqueles que nos alimentam Eu me oponho à derrubada das florestas e ao envenenamento dos rios. Como poeta eu entendo a velhice por sabedoria Detentora do conhecimento e da experiência. Os idosos são ancestrais Jamais eu poderia apoiar o abandono a estes ou às viúvas. Como poeta eu admiro a mulher Eu considero o sagrado feminino como força vital da criação Nunca como fraqueza ou fraquejada As mulheres são nossas mães e esposas As filhas que nos dão o pão do futuro. Como poeta eu luto pela liberdade Não só a minha, mas a de todos irmãos Principalmente daqueles que tenham opiniões opostas as minhas Pois isso é a síntese maior da liberdade Aceitar e compreender diferenças Ouvir e ser ouvido Aprender e ensinar. Eu sou contrário a discursos de ódio que insuflem discórdias pois penso que a democracia é a base do diálogo e do entendimento. Isso sou eu, como poeta. Não é apenas uma ideia partidária. Eu nunca estou falando sobre política e de uma certa forma, eu sempre estou.
Não é sempre que posso estar aqui. Por isso estoco-me de silêncio para ficar na parte de dentro das manhãs. Porque eu procuro. Procuro alcançar melhor a superfície contrária dos barulhos, uma vez que o espelho treina em mim olhos já bem desistidos de gritar. Procuro a pausa do que não ouso, mas ouço de involuntária nudez o coração aos sopros. Quase sempre sofro de entressafras no sorriso difícil de tudo. E mudo. Estudo os sensores das palavras enquanto isso, para ajudar na soltura do penúltimo precipício ou quem sabe, para a escalada das submersas camadas do que está apto a não ser. Calo-me nas calamidades, porém, não posso esquecer que há os possíveis timbres da beleza. E continuo. Sem desmerecer. Remover esses entulhos – nada opcionais – está me devorando por causa da memória e seu futuro. Mergulho de frio na pedra movediça do pensar e anseio perguntar sigilos aos domicílios em que me deixei morar. Olha, agora achei um rastelo de pentear areia! Queria arrumar os canteiros do acaso. Esvaziar alguns vasos. Talvez desabar esses muros de arrimo brotados no peito quando da invasão de coisas tão menores. Tenho rumores do mundo. Ainda tremo e me incomodo de urgências. Fecho os cômodos da casa nunca mais inaugural do sonho. Fecho o quintal e deserto meus litorais em litros de leituras, pequenas fúrias, ossos e ninhos, no fundo do que não sei, pois não saber é a extensão mais forte do abandono. Abandonar não é perder. É não olhar. Eu escolho o cansaço quando escrevo, para salvar os nervos da flor que armazenei num tijolo do terraço, mas sinto sono. Não. Não sou a dona desses medos. Dormir atinge-me mais longe do que os lugares me fogem. Abrange anjos antigos quando arranjam-me de música, em plena afasia do que resiste. Anestesia as pedras antes que perfurem a pele transparente dos vidros. Abriga em mim a minha rápida janela. Lapida-me nela. Lápide moída. Menos cega… E me prossegue.
Encontrei-me a um piscar da sepultura
cavando origens para novos finais.
Eu vi um “jamais” tecido em linho,
no pergaminho perdido de delícias e ais.
Tão mórbida fui quanto mais absurda.
Visitei surda-muda os meus funerais.
Dediquei-me poemas de silêncio,
poeiras ao vento e alguns memoriais.
Registrei tudo aquilo que dei
apenas para recordar que perdi.
E, afinal, que me importa
se foi atrás de uma porta ou na boca de um vulcão
que descansei meu coração?
Vi presentes muito mais do que ontens.
Fui a fome de meus desejos de morte.
Fui as perdas, os abandonos,
a inanição, as tristezas, o sono e a sorte.
Fui outro qualquer que não eu.
Perdi-me nos sonhos dos outros
e descobri que tudo aquilo era eu.
Quis subir minhas próprias montanhas,
adentrar florestas virgens e densas.
Ao estar ali tão perto do planalto, a vertigem,
defronte à paisagem congelada, a visão da fuligem.
Eu já estive morta.
Tropecei em uma sobrevida.
Almejei o fim da estrada,
enquanto a chegada era a minha própria vida.
Tira tu os sapatos!
Anda com o medo nas mãos
e, do medo, descalço!
Cuida das flores que eu não cuidei.
Das sementes largadas ao chão,
já não me lembro quando as depositei.
Perde-te de ti, ó monstro,
promove o encontro!
Encontra o outro
– tão mais longo encontro do que aquele que sei.
Os espinhos nos pés não são nada,
nesta estrada, a doer mais do que o torpor do conforto.
Antes o frio ou o quente ao morno!
Antes o fogo ao gelo, ao terror, ao sono!
À passiva anuência, é preferível o confronto.
À frase dita, inaudível, é preferível o morto
ou o gosto fugaz e tênue do impossível.
Impõe tu o alicate às correntes.
Tua alma está acorrentada à mente,
paralisada por Idades de Ouro.
Não te imponhas ganhar a corrida, à princípio, perdida.
O Tempo saúda-nos ao sopé da muralha.
Tua espera não vale mais do que a chuva e o nada.
Então, machuca e sente a dormência das pernas!
Teu sangue tarda mas ainda corre.
Vá à pé e te demora na estrada!
Sob o negrume da lua,
acorda o teu animal, antes que tarde.
Eu te encontro depois da sangrenta luta,
no ponto de curva após a reta final.
Vá ao teu funeral dar despedida
à vida ou à vida que achavas que tinhas.
Não sê vulgar visita em tua própria casa,
nem figurante perdido em tuas próprias batalhas.
Não és tão importante, que o cenário te eternize,
nem tão medíocre, que não te possas eternizar.
Sê eterno, então: protagoniza!
Desculpa-te a pretensão de ser tão banal. Escreve o enredo distinto, vulgar ou nobre, de ouro, de ferro ou de cobre. Faz do teu sopro mais do que simples mural.
Um
dia
onde eu pudesse expressar
meus escusos sentimentos .
Onde
a ampla querência
de meu humano coração
não me exigisse
uma urgência de vida,
mas,
uma interpretação
e exposição
da pluralidade de minha alma.
Quem
me dera
um dia de sol
que não fosse embrutecido,
retido,
esterilizado pelas vísceras
de toda uma vida combalida.
Quem
me dera
um dia de sol
e
sal.
Um
dia
em que nuvens se abrissem
não somente aos raios de sol,
mas, também,
aos corpos em carícias,
aos gestos familiares
e aos passeios pelos parques.
Quem
me dera
um dia de sol
na imensidão azul do céu.
Um
dia
em que aves registrassem seus voos
sem medo das mãos dos passarinheiros.
Um
dia
em que redes atadas tolerassem
a força do amor,
em que ventos soprassem doçuras
em vez de tempestade.
Um
dia
que nosso destino
(remanso calmo)
nos trouxesse algo,
além do silêncio
e
da
solidão.
Um
dia
em que pudéssemos
determinar
(sem medo,
sem exigências
e sem obrigações)
nossos textos existenciais.
Quem
me dera
um dia de sol.
Um
dia
sem rupturas
e sem traumas.
Um
dia
em que a nossa tessitura
de vida
fosse telhados abertos
aos adventos do sol.
Um
dia
em que pudéssemos abreviar
a força do vento.
Um
dia
em que a esquadrinhação da vida
estivesse sobre os ombros
de todos os homens da terra.
Um
dia
em que as referências,
inferências,
ânsias,
tolerâncias,
importâncias
e inconstâncias
de todos nós
fosse mesurada somente
pela pungência da vida.
Um
dia
em que os jardins das casas
e os telhados sublimosos das dores
fossem empenhados
(primeiramente)
a conquistarem um lugar ao sol.
Um
dia
em que os álbuns pátrios
e os gestos efusivos
fossem,
(e estivessem),
sublinhados de subterfúgios de vida.
Um
dia
em que as pétalas se abrissem
à beira da estrada
sem medo da velocidade dos homens
e da poluição do ar.
Um
dia
em que as conveniências da mãos
facilitassem as colheitas
nos roçados da vida.
Um
dia
em que o próprio sol
não trouxesse pra dentro de nós
os seus celeiros de dor.
Um dia, somente um dia de sol.
(OXORONGA, Alufa-Licuta. O verbo e o homem. Editora do Carmo. Brasília-DF)
Bio/Grafia Alufa-Licuta Oxoronga, inconsútil vivente. Nascido em útero envelhecido. Em tempo de calmaria. Uterinizado por dentro feito magma. Feito avessado moinho. Desde molecote tem parido angústias. Tem gestado grãos em avessamento de moinho. Ainda menino se achou rabiscador de terreiros. De palavras. De desenhos. De sonhos. O palavreado mais parecia brisa ao entardecer. Os desenhos, orvalhos se entregando ao sol. Os sonhos, caminhos brotados de tempo. Mais tarde se descobriu apanhador de silêncio e solidão. De tanto escrever, pintar, sonhar e sentir, pulsou para dentro de si um gosto amargo de ser. De um existir-existindo que mais parecia negros escorpiões nas fendas escuras das paredes de taipa. Mais parecia a mudez de uma madrugada em tempo de intermitente chuva. Desde então tem trilhado o inóspito caminho da esperança. Em espera e andanças. Em agônicos (e diários) sentires. Dos esgarçados verbos e do entrelaço da fala e da escuta tem feito o seu existir. (por Alufa-Licuta Oxoronga)
Cultivava os pés no solo do caminho para não perder os passos há muito já perdidos. Os braços, as embarcações, os embaraços da vida erguidos num ato de rendição ao esquecimento. O sono dobrava as esquinas do corpo, dobrava as pernas, dobrava a água nos olhos de cada filamento luminoso, porque era de promessa e vento a chuva que se fazia no lado de dentro das retinas. Era um retorno isento de saudade, a lágrima da sedação, guardada para a sede, após o dormir do rosto – mais tarde – de tudo aquilo que resiste no inesgotável furto de futuro, da solidão de sóis… Eram as solas doídas no escuro das manhãs, a se encolherem no recolher de todos os escudos. Cegos. Sórdidos. Mudos. A ajuda na planta dos pés, moída de muda e de escolha. O casco machucado dos cavalos. As bolhas de sabão de sábado a pousar nos ontens, intactas, sobre os sapatos limpos.
Pedra de núcleo maciço mas de pouquíssimo arremesso,
Pedra que desde o começo não teve um sonho inteiriço.
Pedra sem sustentação e de desprezível valor,
pedra-pétrea sem valor e com víscera de solidão.
Pedra de pouca importância petrificada em areia,
pedra-pétrea que anseia por um viver sem ânsia.
Pétrea-pedra sem referência jogada, largada ao chão.
Pedra que ainda guarda querência de um humano coração.
OXORONGA, Alufa-Licuta. Útero de pedra. Editora do Carmo. Brasília-DF.
Bio/Grafia Alufa-Licuta Oxoronga, inconsútil vivente. Nascido em útero envelhecido. Em tempo de calmaria. Uterinizado por dentro feito magma. Feito avessado moinho. Desde molecote tem parido angústias. Tem gestado grãos em avessamento de moinho. Ainda menino se achou rabiscador de terreiros. De palavras. De desenhos. De sonhos. O palavreado mais parecia brisa ao entardecer. Os desenhos, orvalhos se entregando ao sol. Os sonhos, caminhos brotados de tempo. Mais tarde se descobriu apanhador de silêncio e solidão. De tanto escrever, pintar, sonhar e sentir, pulsou para dentro de si um gosto amargo de ser. De um existir-existindo que mais parecia negros escorpiões nas fendas escuras das paredes de taipa. Mais parecia a mudez de uma madrugada em tempo de intermitente chuva. Desde então tem trilhado o inóspito caminho da esperança. Em espera e andanças. Em agônicos (e diários) sentires. Dos esgarçados verbos e do entrelaço da fala e da escuta tem feito o seu existir. (Alufa-Licuta Oxoronga)
Fui ao topo e amei essa tua maciez, arrepios esguios entre minhas mãos. É pura verdade, fui como ébrio ao teu cabelo, cheiroso de desejo, testemunha de nossa paixão. É pura a verdade, pois estou cativado, pelo toque delicado de amor absoluto, no mais lindo encontro, no exato ponto, onde, sob as águas do mistério, nos amamos submersos, afogados na emoção.
(Roldan Neto)
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