Quando abril se fecha

Hoje de manhã, num desses momentos em que olhei lá fora de mim, o sol roçava diferente a mesma folha, com aquela inclinação de outono que ele gosta de usar em abril.

Não foi hoje que abril se abriu, eu sei. Está aí há vinte e oito dias, quase se fechando, mas o sol decidiu outonar naquela folha hoje.

Claro que foi intencional, e escrever com luz na folha foi covardia.

From publicdomainpictures.net

O sol acariciava de um jeito tão passional o verde, que ruborizei. Fiquei hipnotizada por alguns segundos – daqueles segundos que me fazem querer ser deusa, só para prender e converter o tempo em alguma espécie de verdade e, dele cheia, esvaziar o container de todas as vontades.

Mas nem mesmo chego a ser humana, e sempre perco o jogo quando me meto com deuses: Apolo introduziu a cena e Chronos logo a encerrou.

O que me resta é esperar que, ainda sob o efeito de Apolo, encontre Atena, e ela me ajude a encarar o meio giro manco do planeta… Mais tarde, bêbada de selenofilia, vou-me jogar nos braços de Dionísio, e render meus olhos ao encanto de uma folha em branco.

olho por cima, olho por dentro

Chegou o dia em que me percebo com os óculos na ponta do nariz.

A primeira imagem que me vem é a da mamãe Noel, a dos filmes… bem daquele jeito… E agora, com esses óculos, é que eu vejo que não era certo dizer “olho por olho, dente por dente”. O ditado original seria: “olho por cima, olho por dentro… das lentes”.

eu – agosto/2017

A tal expressão vingativa é, provavelmente, mais um daqueles ditados deturpados de ouvido em ouvido do tipo: batata que esparrama, mármore que escarra, gato usado em caça, ofício com esqueleto, coisas assim… e Roma, então, que passou a receber turistas bocudos em vez de vaias.

Mas os óculos na ponta do nariz são algo prático e, com a idade, precisamos ser práticos, especialmente porque lente multifocal é cara… e feia… e dá trabalho do mesmo jeito, dizem.

Além do que, enxergo muito bem e longe, bem longe mesmo, tipo superpoder. Aliás, tenho todos os sentidos superaguçados. Queria que existisse de verdade um Professor Xavier, pois, mesmo já usando óculos na ponta do nariz, ainda não sei lidar com meus supersentidos mutantes. O bom é que são invisíveis.

Por falar em invisíveis, voltemos aos óculos. Será que estou com aquela cara de sábia anciã? Sobrancelhas levantadas, lábios contraídos, olhando o mundo sob (e sobre) uma ótica multifocal?

Ah, hoje em dia é fácil saber… farei um (ou uma? Nunca sei) selfie a “mamãe Noel”.

Mas não funciona assim. Não dá certo porque já é automático: olho meu rosto na tela e já me coloco num ângulo meio oblíquo, pra esconder a cicatriz do lado esquerdo do nariz, onde os óculos fazem cócegas… e tento sorrir sem forçar muito os pés de galinha, além de levantar o queixo pra disfarçar o papinho. Também sei que vou clicar umas 150 vezes, mudando milimetricamente o ângulo, em relação à luz, pros buraquinhos de acne não ficarem com sombra… E, claro, vou acabar endireitando os óculos… Tá, pelo menos na ponta do nariz vou tentar deixar.

Mas não sou fofinha como a mamãe Noel. E minhas bochechas não são rosadas, por causa da base… têm cor só quando tem espetáculo. Odeio blush!

E coque? Não, né… pouco cabelo. O coque da mamãe Noel é poderoso. E meu cabelo é pintado, claro!

Ah, deixa pra lá! Nem estou usando vermelho.