Exercício

Pode ser que seja um tempo sagrado
Agora vem pelo sol a conversão desses abismos. Mas é recomendável remendos emergenciais nas visões esgaçadas da pálpebra de acreditar. Pelo que nos integra na palavra dentro da vida. Estamos aqui. Na tragédia temos remédios imprevisíveis para o medo aberto à inauguração dos astros. Destroncamos monstros no corpo dos horóscopos se eles nos espreitam de fora do destino. Alheios. Joelhos e platina. Tino. Miram-nos de miragens milenares sobre os destroços das flores planetárias a recompor nossos ossos nunca antes recolhidos dos campos de concentrar suores e tremores. Se demoramos de louvores, é porque não sabíamos subverter a íris perfurada na respiração das cores por existir. Pintura aérea. Aura celeste. Arco. Há colares de ar aqui. Eles circulam entre as perguntas afiadas nas gargantas. Quantas paisagens desavisadas deslocam retinas para o linguajar do espanto? Dilatamos as sequelas. Enleamos uma a uma no manto das súplicas. Quanto pranto emprestamos para socorrer a luz. Prevê-la. Preservá-la nos glóbulos, nas fábulas e córneas para a doação. Retiramo-nos de nós mesmos para a constatação do óbvio. Do hábito na contramão da órbita frágil de antes desses vândalos do que devota. Que não nos restem mais gotas de sangue, só o sândalo sobre o pêndulo que nem sempre volta. E o sol a solto. Nos convoca.

(Patrícia Claudine Hoffmann)

Fonte da imagem – post da autora no Facebook

Não é sempre que posso estar aqui

Não é sempre que posso estar aqui. Por isso estoco-me de silêncio para ficar na parte de dentro das manhãs. Porque eu procuro. Procuro alcançar melhor a superfície contrária dos barulhos, uma vez que o espelho treina em mim olhos já bem desistidos de gritar. Procuro a pausa do que não ouso, mas ouço de involuntária nudez o coração aos sopros. Quase sempre sofro de entressafras no sorriso difícil de tudo. E mudo. Estudo os sensores das palavras enquanto isso, para ajudar na soltura do penúltimo precipício ou quem sabe, para a escalada das submersas camadas do que está apto a não ser. Calo-me nas calamidades, porém, não posso esquecer que há os possíveis timbres da beleza. E continuo. Sem desmerecer. Remover esses entulhos – nada opcionais – está me devorando por causa da memória e seu futuro. Mergulho de frio na pedra movediça do pensar e anseio perguntar sigilos aos domicílios em que me deixei morar. Olha, agora achei um rastelo de pentear areia! Queria arrumar os canteiros do acaso. Esvaziar alguns vasos. Talvez desabar esses muros de arrimo brotados no peito quando da invasão de coisas tão menores. Tenho rumores do mundo. Ainda tremo e me incomodo de urgências. Fecho os cômodos da casa nunca mais inaugural do sonho. Fecho o quintal e deserto meus litorais em litros de leituras, pequenas fúrias, ossos e ninhos, no fundo do que não sei, pois não saber é a extensão mais forte do abandono. Abandonar não é perder. É não olhar. Eu escolho o cansaço quando escrevo, para salvar os nervos da flor que armazenei num tijolo do terraço, mas sinto sono. Não. Não sou a dona desses medos. Dormir atinge-me mais longe do que os lugares me fogem. Abrange anjos antigos quando arranjam-me de música, em plena afasia do que resiste. Anestesia as pedras antes que perfurem a pele transparente dos vidros. Abriga em mim a minha rápida janela. Lapida-me nela. Lápide moída. Menos cega… E me prossegue.

Patricia Claudine Hoffmann

Fonte da imagem: post da autora no Facebook

Quem dera transportasse a própria ida…

Cultivava os pés no solo do caminho para não perder os passos há muito já perdidos. Os braços, as embarcações, os embaraços da vida erguidos num ato de rendição ao esquecimento. O sono dobrava as esquinas do corpo, dobrava as pernas, dobrava a água nos olhos de cada filamento luminoso, porque era de promessa e vento a chuva que se fazia no lado de dentro das retinas. Era um retorno isento de saudade, a lágrima da sedação, guardada para a sede, após o dormir do rosto – mais tarde – de tudo aquilo que resiste no inesgotável furto de futuro, da solidão de sóis… Eram as solas doídas no escuro das manhãs, a se encolherem no recolher de todos os escudos. Cegos. Sórdidos. Mudos. A ajuda na planta dos pés, moída de muda e de escolha. O casco machucado dos cavalos. As bolhas de sabão de sábado a pousar nos ontens, intactas, sobre os sapatos limpos.

(De Patrícia Claudine Hoffmann)

Fonte da imagem: post da autora no Facebook