tal calendário
pétalas falam
seus dias murcharam

tal calendário
pétalas falam
seus dias murcharam
Onde está a realidade?
Não, ela não está aqui
lacrada nesta caixa.
Sou o tal gato vivo-morto,
superposição quântica.
Velada,
indefinida,
estou morta
e estou viva.
Ao observador sou tudo
e nada.
Não abra a caixa!
O tempo?
Ora, o tempo…
Não o tenho aqui,
agora.
Também não está lá fora.
Não o entendo.
Ele fixa,
mas não é fixo.
Contínuo, é peremptório.
Muda e registra,
Faz muda e mata,
é branco e marca.
Mancha e limpa,
sua marcha é limpa.
Ainda assim, a nódoa fica.
Não, não abra a caixa!
Cicatrizes
invencíveis,
as piores se mostram e revelam
o que só a morte cessa.
Depois dele,
do tempo,
depois de muito dele,
vejo que não é o tempo,
mas os vermes,
que apagam as cicatrizes,
iguarias
que o tempo serve aos vermes.
Elas vivem além de você,
eles não sobrevivem ao tempo.
Sim, os vermes.
O tempo os devora
com seus estigmas corroídos.
Não abra a caixa!
Engane-se
por um tempo.
Não faz mal.
Ao tempo
mal nenhum se faz.
(Sandra Boveto)
A rotina nos costura
pelas ranhuras das horas
e nos arrenda a vida.
Somos linhas quebradiças.
Se o ponto aperta, arrebentamos.
Se afrouxa, nos rendemos
ao fortuito movimento
do tecido.
Frágeis seres cerzidos
soltos no espaço-tempo.
O desafio não é escrever isso ou aquilo
o desafio é viver o que se escreve
ou aquilo que quer ser escrito
há um desejo que pede
anseia
esperneia
exigindo registro
é desafio da vida
que busca a luz
a fenda
a réstia
a brecha de mim escondida
o braço se estica
mas não alcança a chave
que está lá
lá
bem lá
presa no cinto do carcereiro
e a cada noite
o dia vira morte não escrita
aí fora
aqui dentro
no cativeiro da espera