Crônica pobre

Era o mác- ximo na favuna… Sabonete Phebo, chique no úrtimo grau e desodorante Avanço.

Você não entende nada de pobre.

As mulhé todas usava um pior ainda…Leite de rosas, não tinha um barraco que não tivesse esse trem.

No sol… A bagaça começava derreter e virava uma desgrama só.

Alcione deve usar até hoje…A marrom.

Como se ninguém visse a cor.Tem que por amarrom? O disco vinha assim… Alcione amarrom

Já cedo… A nega do barraco de cima saia na janela e gritava pra nega do barraco lá dos quintos:

– Shirlei, amarrom no Silvio Santos!!!!

Acordava a favela inteira!

Isso foi antes do celular, depois foi pior, porque as pobre ligava pra Bahia achando que tem que berrar no celular, pra chegar na Bahia o som:

– Maíiinnha, chama painho que to de celulare..

Domingo era o inferno para dormir na favela, tinha o Sidney Magal berrando em todos os rádios…

“é a cigana sandra rosa e madalena”

são três?

“é a mulher com quem eu quero me casar”

Não tinha uma pobra na favuna que não quisesse ser Sandra, Rosa ou Madalena.

Depois teve um português ainda pior…

” OOOO bate o pé, bate o pé,bate o pé”

Mais xarope era impossível!

Os favelados tudo adora essas coisas,

Leal…Roberto e leal…

Domingo era terrível, as tvs ligadas nos zúrtimos volumes, essas bregaiada toda cantando,o Lombardi.

Já cedo a Shirlei grita para Sheila, pobre adora nome americano pra gritar da janela, que soa chique.

Nome estrangeiro,

As mãe punha William, Wellington, Evelym, Elder, e depois berrava, chamando a cambada num taco só:

– Ui, Ue, Eve, El !!!!

A minha economizou que num só Maáaaa, vinha todo mundo pra dentro.Maria, Mário, Mariano.

Tudo com Ma, economiza chamá.

Pobre adora economia.

Soca seis criança no roleta junto e empuuuuurra.

Os menor vai saindo pro lado, por cima do cobrador, os mais rápido passa pru baixo e o maior esbudega nos ferros até a biboca virar, estalando o zóio.

Pronto, paga um filho só.

Eu tenho PHD com pesquisa de campo.

Ano entra, ano sai…E o pobre brasileiro…

Continua igual?

Ingual nada.

Muda tudo, as moda, as música brega, os ônibus…

É cada corte de cabelo pior que outro

A nega passa o ferro no pixaim, até alisar a quiçaça na marra, toca fogo no barraco, sai até fumaça da cabeça da bicha, parece um endemoiniamento.

Eu tinha medo de ver minha irmâ alisar o cabelo,

Despois,não feliz…faz luz.

Dai enche de notrox e sai com aquilo no poeirão esperar o busão da iscola.

Deus!

Vai colando de tudo na moita servagem…

É foia seca, é gaio darve, é chepa do buteco que avoa.

Vai colando lá.

Chega na iscola linda. Parecendo a Flora e fauna.

Você não entende nada de pobre.

E festa de favelado… É quase o inferno na terra.

Começa dez dias antes, cás pobra tudo avisando o morro todo e mais três morro vizinho.

Sai emprestando panela, cadeira, colchão, pra acomodar a cambada, dana fazer enfeite de tudo que é coisa velha, enfeite de garrafa pet, enfeite de papel crepom, enfeite de E.V.A.

O barraco fica pior que uma árve de natal e sete horas da manhã os convidado já vem invadindo tudo, com uma fome do agreste, que pobre nunca come antes de ir em festa dos outros.

Dá-lhe lanche de boi ralado(carne moída se diz) e churrasco trinca dente, que assim demora horas até a gente engolir o nervo da carne e pegar outro pedaço.

Dai é toda a bregada rodando na vitrola…

Amarrom, demonhos da garoa, Magal, sandra rosa e madalena, sabe deus até que horas,

Que pobre não vai embora, vai fazendo mais vaquinha, para comprar mais churrasco, trazendo mais disco brega, chamando mais morro vizinho, roubando todos enfeites,até alguém escorraçar.

Ou até sair uma briga, a acabar no risca faca, no tome bala, no tabefe, na pobraiada correndo e ainda falando mal…

– Já fui em festa miór.

E no entanto eu me orgulho de ter nascido no morro, ter acordado aos domingos, com os gritos na janela, ter vindo do povo pobre, que está sempre brincando e rindo da própria sina.

Eu me sinto abençoado de ter feito meus brinquedos, com alguns papeis coloridos e linha de carretel, pois que eles valeram mais, voando livres no céu.

Eu não troco infâncias ricas, fechadas em condomínios, pela que tive, descalço, com gente humilde e feliz.

Que com qualquer meia boca, faz uma boca completa, uma bela gambiarra, um gato no poste de luz e vai sambando e levando, como der para levar, como der para se virar, com dez filhos na catraca, da grande roleta russa.

Pois como dizia o samba, sabe deus de que breguice…

Quem desce do morro, não morre no asfalto.

(Anjos Urbanos)
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Fonte da imagem: página Anjos Urbanos

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